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A República, Platão

Introdução


Composto de 10 livros, A República de Platão é a minha primeira leitura de filosofia como um homem adulto (hoje com 22 anos de idade), tendo lido anteriormente somente Assim falou Zaratustra de Nietzsche ainda adolescente com meus 17 anos (e que julgo hoje, com baixíssima compreensão, especialmente quando falamos de ler tal autor sem diversas leituras prévias). Uma obra extremamente rica onde Platão discute diversos temas em um longo diálogo, diálogos estes guiados a uma proposta central: Provar através da dialética que o homem que parece justo e que é em sua essência justo, é mais feliz que todos os demais. Este argumento tem início quando Trasímaco afirma que o mais feliz dos homens é o injusto que se faz passar por justo, ou seja, aquele homem que tira vantagem de outros mas passa impune perante a lei ou aos outros homens. Para tratar de tal assunto, Platão discute nesta obra os mais diversificados temas em uma longa e bela jornada que são os diálogos narrados por Sócrates, o seu professor, personagem principal do livro que toma o lugar de Platão (que nunca é citado no livro). Notoriamente, durante a obra Sócrates propõe a cidade (ou república) perfeita e utópica (o que nomeia a obra), durante esse processo são discutidos os problemas da aristocracia (para Sócrates o ideal), da oligarquia, da democracia e finalmente da tirania, além de trazer o longo exercício que é conceber a existência de diversas profissões e necessidades a cerca de uma cidade, como a própria educação de seus guardiões e de seu povo. Esta longa análise culmina por finalmente trazer luz a questão inicial, afinal, como pode ser mais feliz o homem que parece e é justo em sua essência, frente ao homem injusto que se parece justo, dados os claros argumentos os quais Sócrates não pode refutar? Esta é a grande pergunta, porém Sócrates não poderá refutar os argumentos sem antes analisar por si só o que é a justiça e a injustiça, tanto na cidade como no homem.

Adendo: seguirei durante esta análise citando a Sócrates, personagem do livro, e não a Platão, que apesar de autor, não é mencionado na obra.

Livro I

Qual o maior benefício da fortuna?

A obra é aberta quando Sócrates e seu companheiro, Gláucon, vão ao Pireu na festa de Bêndis, quando são abordados pelo escravo de Polemarco (filho de Céfalo), que pede que Socrátes o aguarde. Após isto, Socrátes e Gláucon vão até a casa do pai de Polemarco, onde Sócrates inicia um diálogo breve com o velho Céfalo a respeito da riqueza, e o indaga quanto a tê-la construído ou herdado. Céfalo diz que a herdou e por isso não dá tanto valor a ela como alguns outros homens, e assim é dito que os velhos para estarem contentes devem ter bens materiais, nem só virtude e nem só riqueza tornam feliz um velho, mas ambos. Sócrates então o questiona: “Qual é no teu modo de ver, a maior vantagem que tiras da tua grande fortuna?”. Céfalo então diz que ao se tornar velho, os medos a respeito da morte como as fábulas de Hades, que antes eram matéria de riso, passam a atormentar aqueles que cometeram injustiças, temendo que talvez elas sejam verdadeiras, e que quando se convence que a soma de seus pecados é grande, desperta por muitas vezes do sono cheio de pavor. Mas ao que não tem consciência de nenhuma injustiça que tenha cometido, acompanha constantemente uma grata esperança, e então cita Píndaro: “A esperança acalenta a alma do que vive em justiça e santidade, e é-lhe nutriz da velhice e companheira de jornada; a esperança, que rege soberana a alma inquieta dos mortais” Céfalo então concluí sua resposta, dizendo que a maior vantagem da riqueza, não para todos, mas que para o homem justo e clemente , está em ajudá-lo em grau considerável a não enganar e nem mentir, quer intencionalmente, quer por omissão, desta maneira quando parte deste mundo não leva apreensões por estar em dívida com algum deus ou com algum homem. Sócrates então nos convida a uma reflexão: o que vem a ser essa justiça da qual Céfalo está falando? ela se resume a dizer a verdade e pagar dívidas? Em um cenário hipotético onde um amigo em seu juízo perfeito tenha lhe confiado algumas armas mas venha reclamar quando estiver doido, deverá você devolver-lhe as armas? Ninguém diria tal, como tampouco julgariam que fosse um dever falar sempre a verdade para uma pessoa nesse estado. Céfalo concorda. E nesse caso, fica então definido que a justiça não se limita a falar a verdade e devolver o que recebemos. Céfalo diz que precisa atender aos sacrificios, e o seu herdeiro Polemarco continua em seu lugar no diálogo.

Um novo ponto de vista

Nesta passagem uma nova ideia surge:

Talvez justiça é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos.

Sócrates evidencia que se justiça isto é, resume-se a provocar guerra ou lutar ao lado, uma vez que faz-se bem os aos amigos e mal aos inimigos, favorece aos seus e causa danos aos outros. Portanto, seguindo este raciocínio, concluímos que a justiça é inútil em tempos de paz, porém os participantes do diálogo estão longe de concordar com isso. O diálogo prossegue com o conceito de que a justiça é útil quando o dinheiro ou qualquer outra coisa é inútil, uma vez que a justiça é boa nos contratos entre homens, porém ao pensarmos em quem é o melhor jogador de damas, o homem justo ou o bom jogador, ou quem é melhor colocador de tijolos, o homem justo ou o pedreiro, torna-se evidente que o dinheiro passa a ser um interferente. O diálogo prossegue de maneira a definir a justiça, e busca eliminar alguns paradoxos:

–> O mais capaz de fazer bem é também o mais capaz de fazer o mal. –> Se o justo é hábil em guardar dinheiro (de algum amigo), também é hábil em rouba-lo. –> O justo converte-se em ladrão. –> As pessoas querem o bem daqueles que consideram bons, e o mal àqueles que detestam ou lhe pareçam maus. –> As pessoas por vezes se enganam sobre o bem e o mal. –> Nesse caso os bons são os inimigos, e os maus são os amigos. –> Então para essas pessoas, o justo é favorecer os maus e fazer mal aos bons. –> Os bons são justos e incapazes de faltar com a justiça.

As ideias acima não parecem corretas e necessitam de uma correção

–> Definimos então que amigo é aquele que é realmente bom antes de parece-lo. Desta maneira resolvemos o problema que cria o paradoxo anterior. –> Seguimos então que justiça não pode produzir injustiça –> Porém, é necessário que os homens a quem prejudicamos se tornem injustos, pois da mesma maneira que os cavalos tornam-se piores (nas qualidades do cavalo) quando sofrem dano, o homem se tornará pior inevitavelmente pior no que toca a virtude humana. –> Os músicos não podem tornar os homens ignorantes da música. –> O mestre de equitação não pode fazer maus cavaleiros –> Portanto o justo não pode tornar alguém injusto –> Assim como o calor não pode produzir o frio. –> Portanto, não é sábio aquele que afirmou que justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido, e por isso se entende que o bem aos amigos e o mau aos inimigos, pois foi demonstrado que o dano causado a alguém não pode ser justo de maneira alguma.

Sócrates aqui propõe que esta definição de Píndaro, Simônides, Bias ou qualquer outro desses sábios e santos varões está errada, e que esta definição provavelmente surgiu de algum homem poderoso que fazia alta opinião de seu poder, e este deve ter sido o primeiro a afirmar que a justiça é “fazer o bem aos amigos e mal aos inimigos”.

A definição de Trasímaco

Neste momento Trasímaco, um filósofo presente neste diálogo intervém criticando a Sócrates, dizendo que dizer que o justo é o necessário, o útil, o vantajoso, o proveitoso ou o conveniente ou qualquer outro adjetivo positivo não é suficiente, deve-se ter clareza e precisão ao defini-lo, e Sócrates até esse momento só está lançando perguntas, e dando poucas respostas. Trasímaco parece não gostar de Sócrates, pois o mesmo não paga pela instrução que recebe (apesar de que aqueles que estão presentes pagam por Sócrates), e os sofistas exigem o pagamento pela instrução, além disso, Sócrates recusa-se a responder ele mesmo as questões, enquanto toma as respostas dos outros até reduzi-las a pó. Trasímaco propõe então a sua própria definição:

–> A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante. Sócrates concorda que a justiça é uma espécie de interesse, porém analisará se do mais forte. Segue dai:

–> É justo que os governados obedeçam aos governantes? Sim. –> Os governantes dos estados são absolutamente infalíveis, ou estão sujeitos a errar por vezes? Muitos estão sujeitos a errar. –> Então ao fazer suas leis, podem as vezes faze-las bem e outras vezes mal? Verdade. –> Quando as fazem bem, estão de acordo com o seu interesse (o governante), e quando fazem mal, são contrárias a eles. Assim mesmo. –> Portanto a justiça que comete um erro contraria o interesse do mais forte. Sem dúvida. –> Portanto, de acordo com o argumento, não só é justo fazer o que convém ao mais forte, mas também ao seu contrário, isto é, o que não convém. –> Trasímaco então admite que o mais forte pode por vezes ordenar aos seus súditos aquilo que não é de seu interesse. –> Segue-se então que justo faz tanto o que convém quanto o que não convém ao mais forte, contrariando a definição que trouxe Trasímaco a discussão.

Os filósofos ali na sala oferecem um subterfúgio a Trasímaco, perguntando se ele inicialmente entendia por justiça na verdade: –> O que o mais forte julga ser de seu interesse, quer seja, quer não. E o mesmo nega, pois não poderia chamar de mais forte o que erra, quando erra. Isto porque: –> Não chama médico aquele que erra com relação aos seus doentes –> Não chama calculadora aquele que erra com o cálculo –> Quando alguém erra, é porque falhou com sua ciência, e portanto, nesse momento, deixou de ser um profissional.

Trasímaco argumenta então que para exprimir seus pensamentos com toda exatidão, dirá que: –> o governante não pode errar, e que sendo infalível, sempre ordena o que é melhor para si mesmo. E portanto volta a definir; –> A justiça é o interesse do mais forte, ou seja, do governante.


Retomarei a escrita dos próximos livros (2-10)de maneira mais resumida, do contrário levaria anos para escrever uma boa analise da obra de Platão. Este foi meu primeiro modelo de blog, mas percebi rapidamente que é um tanto inviável fazer análises neste nível de profundidade a respeito das obras que leio.

Esta postagem está licenciada sob CC BY 4.0 pelo autor.

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